terça-feira, 18 de agosto de 2009

COM A PALAVRA, O POETA!

Eis abaixo trecho da entrevista do Poeta Carlos Drummond de Andrade, concedida a Luís Fernando Emediato, e retirado do blogue do contista M. de Moura Filho (endereço ao lado), com aposição de grifos nossos:

(...)

O que o senhor acha do suicídio?

Drummond - Uma solução heróica. De uma grandeza moral enorme. A não ser, claro, quando o suicida é doente, que se mata porque está privado do raciocínio.

E a política? Como o senhor entrou na vida política?

Drummond - Entrei na política em 1945. Eu tinha sido chefe de gabinete de ministro no governo Vargas, mas não era político. Em 1945 eu simpatizava com o Partido Comunista e, durante três meses, meu nome apareceu no expediente do jornal do partido.A experiência não me deixou saudades, saí de lá com o rabo entre as pernas.

Por quê?

Drummond - Éramos diretores do jornal e nenhum de nós dirigia coisa nenhuma. O jornal censurava as coisas mais absurdas. Até informações. Fiquei desencantado com o partido. Não quis mais saber de comunismo.

Como é que o senhor se define hoje, ideologicamente?

Drummond - Eu não sou nada, nada. Eu seria um eleitor em potencial do Partido Socialista Brasileiro. Mas não sou mais eleitor, desisti de me recadastrar. O senhor não vai votar este ano, então? Não, não vou. Estou desencantado com isso. Tenho uma longa experiência de desencanto político. Em 1910, eu tinha sete anos de idade e o marechal Hermes da Fonseca foi eleito presidente da República com 400 mil votos redondos. Nem um a mais e nem um a menos. Por sua vez, o chefe da campanha civilista mandou telegramas para todos os diretórios civilistas noS Estados recomendando que aumentassem a votação nas notícias aos jornais. Houve fraudes dos dois lados.

O senhor votou em Jânio Quadros para presidente?

Drummond - Votei, E depois disso você acha que eu ainda vou votar em mais alguém?

O senhor apoiou o movimento de 64?

Drummond - Não apoiei não. Eu fui contra João Goulart, achei que a derrubada dele foi salutar. Mas uma semana depois já haviam praticado tais desmandos que não pude apoiar. Posso ter pecado por omissão por não ter denunciado logo, mas não apoiei.

O que é o que o senhor pensa da situação política no Brasil hoje?

Drummond - Não vou votar. Minha reação de desencanto explica tudo, não é?

E a República do escritor José Sarney?

Drummond - Não vejo nada, não. Eu acho que o Plano Cruzado foi uma boa idéia, vamos ser justos, uma idéia bem-intencionada. Mas estamos sem carne, não é? O congelamento não resolve. Estamos numa sociedade capitalista em que o motivo principal do trabalho é o lucro. O boi não tem opinião, coitado. Aliás, nessa história de congelamento, eu tenho muita simpatia é pelo boi, que está vivendo mais alguns meses no pasto.

O que é que o senhor sente quando vê, pelos jornais ou pela TV, que o Congresso está vazio?

Drummond - Eu acho terrível. E a gente não pode falar contra o Executivo, porque tem que falar mais mal ainda do Legislativo. O empreguismo, o clientelismo, o filhotismo, a falta de responsabilidade...

Um artista, um intelectual tem opiniões que pesam multo na sociedade. O senhor acha que...

Drummond - O que mais podemos fazer é conservar nossa dignidade. Não participando daquilo que nos pareça errado ou nocivo ao bem comum. A obrigação do escritor e do artista é fazer a melhor literatura, a melhor arte. Interpretar bem o sentido das coisas, o mistério da alma humana. o mistério das relações sociais. Não vejo como o artista pode influenciar na sociedade brasileira. Ele acaba sendo cantado pelos poderosos e prestando serviços a eles.

E a Constituinte?

Drummond - Eu gostaria muito que ela fosse realmente uma Constituinte. Mas vejo pouca probabilidade de se formar um grupo realmente poderoso e consciente, que sejam bons patriotas, para que possam fazer uma boa Constituição. Eu olho com certo susto a Constituinte. Uma coisa que acho muito importante é definir o papel das Forças Armadas. Não podem tutelar o regime democrático. Mas é difícil conseguir isso.

O senhor disse há pouco que, se votasse, votaria no Partido Socialista. O senhor acredita que exista socialismo real em algum país do mundo?

Drummond - O regime socialista a meu ver não é praticado nos países que se dizem socialistas. A não ser talvez na Escandinávia, onde há, realmente, um começo.

O senhor já foi convidado para visitar Cuba, como outros intelectuais que lá estiveram e até escreveram livros a respeito?

Drummond - Nunca fui, não. Aliás, uma vez eu estava posto em sossego, cerca de meia-noite, e me telefonou o Chico Buarque de Holanda, pessoa que admiro muito, mas com quem não tenho nem contato. Gosto da música dele. Telefonou e disse: "Preciso conversar com você". Eu disse: "A esta hora da noite? Meu Deus, aconteceu um drama, para o Chico me procurar!" Mas disse. "Pois não, venha". Apareceu em companhia de um cidadão moreno, magro. Era já meia-noite e meia. O cidadão falou meio enrolado, era o embaixador da Nicarágua no Brasil, que tinha lido uma crônica minha no jornal e achava que eu estava mal informado sobre o país dele. Ah, tenha paciência! Eu tenho noção do que escrevo, compreendeu? Não sou partidário dos Estados Unidos, longe disso, acho a agressão à Nicarágua uma coisa estúpida. Mas não se pode negar que a Nicarágua é uma ditadura. Eles fecharam o La Prensa, onde tenho amigo, o poeta Pablo, Antonio Cuadra. E então falei para o Chico: "Tenha paciência"!

E o embaixador? Ouviu e foi embora?

Drummond - Era delicado, como todo embaixador.

O senhor tem um poema, Favelário Nacional, em que diz que é difícil ser irmão das pessoas, ser solidário.

Drummond - Eu acho muito difícil. Fomos criados para sermos irmãos de nossos irmãos, e mesmo assim olhe lá. Somos irmãos de nossos irmãos e de nossos amigos - os demais são sócios, indiferentes ou inimigos, competidores. Se eu quiser ser irmão de um favelado eu acho que ele me cospe na cara.
O senhor tem escrito muito hoje em dia?

Drummond - Pouco, muito pouco.

O que é pouco para o senhor?

Drummond - No mês passado eu fiz 20 poemas curtos focalizando aspectos da vida de Manuel Bandeira.

Tem algum livro inédito de poesia?

Drummond - Tenho matéria para um livro, mas não pretendi publicar até agora. Quer ver? (Busca uma pasta com poemas cuidadosamente organizados, tira um, mostra.) Este aqui, Quadros em Exposição, eu fiz inspirado em grandes pinturas clássicas. Não vou à Europa, fiz olhando as cópias.

E seus poemas eróticos?

Drummond - Passaram da moda, não pretendo publicar.

O senhor lê a poesia que se faz hoje no Brasil?

Drummond - Eu acho muito ruim.

E o movimento concretista?

Drummond - Uma bobagem.

A poesia práxis também?

Drummond - É. Outra bobagem.

O senhor não vê valor nesses movimentos?

Drummond - O que há hoje no Brasil é uma diluição da poesia brasileira em termos até chatíssimos, porque todo mundo agora faz poesia, e ninguém faz poesia. É uma coisa incrível. O mal disto vem do Modernismo. O Modernismo rompeu, inovou, criou, deu novas formulações estéticas, mas ao mesmo tempo permitiu que todo mundo que não sabe escrever escrevesse. O pessoal não tem a menor noção de ritmo, de criação verbal e faz versos. Todos os dias agora aparecem antologias, e então aparecem 200 poetas, geralmente mulheres. E impressionante o número de mulheres que pensam que fazem versos.

E a poesia da Bruna Lombardi?

Drummond - Ainda agora estou gostando muito do trabalho dela na televisão.

Bem, acho que estamos no fim. O senhor quer dizer mais alguma coisa?

Drummond - Eu não. Não quero dizer nada. Você me arrancou uma porção de coisas que eu não devia dizer. Por minha iniciativa, eu não digo nada a ninguém, sabe?

"Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco."
(Poemas de Sete Faces, 1930)

Entrevista publicada no Caderno 2 do EStado de São Paulo, de 1987, agosto, 15. A reprodução desta entrevista deve-se à Geração Editoral. Postado por M. de Moura Filho em 17.8.09.

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